40% de multa, 100% de mentira
- Hugo C. Melo Filho
- 19 de jul. de 2019
- 4 min de leitura

Hugo Cavalcanti Melo Filho
Hoje, no mesmo dia em que disse que não há fome no Brasil e que, dentre os governadores da Paraíba o pior é o do Maranhão, o senhor que responde pela presidência da República declarou: "Essa multa de 40% foi quando Dornelles era ministro do Fernando Henrique Cardoso. Aumentou a multa para evitar demissão, ok? O que acontece depois disso? O pessoal não emprega mais por causa da multa" (1). Como já foi amplamente constatado, esse senhor não sabe mesmo nada do que fala.
Na verdade, a Constituição de 1988 assegurou aos trabalhadores, no art. 7.º, inciso I, “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. O art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) dispôs que “até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966”. O art. 6º desta lei, que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, determinava que, “ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte da empresa, sem justa causa, ficará esta obrigada a pagar diretamente ao empregado optante os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido ao Banco Depositário, além da importância igual a 10% (dez por cento) desses valores e do montante dos depósitos da correção monetária e dos juros capitalizados na sua conta vinculada, correspondentes ao período de trabalho na empresa”. E no caso de culpa recíproca ou força maior, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, o percentual de que tratava o artigo seria de 5% (cinco por cento) (§ 1.º).
Para regulamentar o art. 10 do ADCT, a Lei n.º 8.036/90, no art. 18, § 1.º, determinou que, “na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, pagará este diretamente ao trabalhador (depois, “depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS” – redação dada pela Lei nº 9.491/97), importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros”.
Então, 1) a fixação da “multa” em 40% não tem nada a ver com Fernando Henrique Cardoso ou Francisco Dornelles, porque dada por lei de 1990, durante o governo Fernando Collor; 2) a “multa” existe (ou deveria existir) em caráter transitório, até a regulamentação do inciso I do art. 7.º (e a vedação da dispensa arbitrária ou injusta), como substituta da indenização compensatória que a lei deveria instituir, a qual, passados trinta anos, não foi providenciada pelo legislador brasileiro; 3) portanto, a multa não foi criada para evitar demissão, senão para compensar o trabalhador pela dispensa injusta ou arbitrária.
A conclusão de que “o pessoal não emprega mais por causa da multa” é, como quase tudo que fala esse senhor, um disparate. Em plena vigência da norma que a instituiu, a taxa de desemprego no Brasil chegou a 4,3% em dezembro de 2014, segundo a Pesquisa Mensal do Emprego - IBGE. Esdrúxula, portanto, a relação de causa e efeito sugerida pelo presidente.
Não satisfeito com as bobagens que despejara no dia de hoje, disse o presidente, em arremate: "Acha que eu estou feliz com 14 milhões de desempregados? Como é que eu vou empregar alguém e o cara vai falar: sabe a dificuldade? Conhece a CLT? Você paga outro salário. É difícil. E, olha só, na guerra comercial do mundo, temos uma das mãos de obra mais caras que existem. Qual é a nossa tendência? Continuarmos vivendo de commodities. Até quando?" (2).
Quantas vezes será preciso dizer que isso é uma rematada mentira. Vejamos os dados sobre custo do trabalho, em 2012: Brasil, 11, 20 dólares/hora; Estados Unidos, 35.67 dólares; Argentina, 18.87; Austrália, 47.68; Áustria, 41.53; Bélgica, 52.19; Canadá; 36.59; Rep. Checa, 11.95; Dinamarca, 48.47; Estônia, 10.41; Finlandia, 42.60; França, 39.81, Alemanha, 45.79; Grécia, 19.41; Hungria, 8.95; Irlanda, 38.17; Israel, 20.14; Itália, 34.18; Japão, 35.34; Coréia do Sul, 20.72; México, 6.36; Holanda, 39.62; Nova Zelândia, 24.77; Noruega, 63.36; Filipinas, 2.10; Polônia, 8.25; Portugal, 12.10; Cingapura, 24.16; Eslováquia, 11.30; Espanha, 26.83; Suécia, 49.80; Suíça, 57.79; Taiwan, 9.46; Inglaterra; 31.23 (3). Nesta ampla relação, o Brasil só estava à frente de Taiwan, México e Filipinas.
Em 2016 (antes da reforma trabalhista, que precarizou ainda mais o trabalho), o custo da hora trabalhada no Brasil, no setor industrial, chegou a U$ 2,90 por hora, enquanto que, na China, esse custo era de U$ 3,60 por hora, no mesmo período (4). Na União Europeia (EU-28), o custo médio horário da mão de obra, também em 2016, foi estimado em 25,40 EUR, média que oculta diferenças significativas entre os Estados-Membros da UE, com custos horários da mão de obra que variam entre 4,40 EUR na Bulgária e 50,20 EUR na Noruega. Pagávamos muito menos do que Chipre, Malta, Estônia, Eslovênia, Croácia, Polônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Romênia e Bulgária, países da periferia europeia (5).
É importante salientar que o custo da mão de obra é composto por custos com salários e ordenados, acrescidos de custos não salariais, tais como contribuições para a seguridade social, suportadas pelos empregadores. Então, se é verdade o que o presidente falou (“Conhece a CLT? Você paga outro salário”), apenas metade do valor corresponde a salário e benefícios pagos diretamente ao trabalhador, ou seja, cerca de 1,50 dólares por hora de trabalho, no setor industrial.
Dizer que o Brasil tem um das mãos de obra mais caras do mundo é tão absurdo quanto falar que não há fome por aqui, enquanto a FAO aponta que 5,2 milhões de brasileiros passam fome.
Por mais que pareça comezinha a explicação e custoso apresentá-la, trata-se de dever de todo brasileiro de boa-fé expor a verdade e combater a falsificação rasteira que esse lamentável governo promove.
REFERÊNCIAS
(2) Idem.
(3) Fonte: BLS/EUA, citada por Jorge Souto Maior: https://www.jorgesoutomaior.com/blog/v-o-custo-do-trabalho-no-brasil-e-excessivo
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